No livro Mulheres Sem Filhos, a escritora Ruby Warrington analisa por que é necessário reformular a maneira como nossa sociedade aborda as mulheres que optam por não ter filhos. Neste trecho, Warrington propõe um exercício reflexivo para ajudar você a descobrir onde se encontra no “Espectro da Maternidade” – que vai do “Não Categórico” ao “Sim Absoluto”.
Quebrando o Binarismo Materno: O Poder das Conversas Sinceras
Como podemos começar a quebrar o binarismo materno e adotar o conceito do Espectro da Maternidade? Antes de mais nada, é essencial que possamos falar abertamente e com sinceridade sobre quem somos como indivíduos, compartilhando nossos medos mais profundos, nossas necessidades e os desejos que temos para nossas vidas. Essas conversas podem e devem começar entre nós.
Com frequência, é visto como algo “indelicado” perguntar sobre os motivos que levam uma mulher a não ter filhos. No entanto, isso reflete mais um traço do pensamento pronatalista, que sugere que não ser mãe deve ser fruto de algum infortúnio tão doloroso que não se deve comentar. Na verdade, discussões honestas e abertas sobre nossa posição no Espectro da Maternidade – e os porquês dessa escolha – podem ser incrivelmente enriquecedoras e esclarecedoras para todos
Motivações além do instinto
Li um relato em que uma mulher, por volta dos 40 anos, encontrou confiança em sua decisão de dizer “não” à maternidade, enquanto sua melhor amiga enfrentava os desafios emocionais e físicos da fertilização in vitro (FIV). A jornada da amiga foi cheia de altos e baixos, passando de momentos de esperança e determinação para episódios de desilusão, lágrimas e um profundo cansaço.
Após finalmente se tornar mãe de gêmeos saudáveis, embora exausta, ela compartilhou o que a motivou a seguir em frente. Sua resposta surpreendeu, pois não envolvia um instinto biológico forte, mas sim motivos emocionais:
“Sempre amei as grandes reuniões familiares da minha infância e queria recriar essas experiências; sonhava com uma casa cheia e barulhenta porque temia o oposto; e queria ver meus pais felizes como avós.”
Escolhas e Caminhos: Amor em Diferentes Formas de Vida
Ao ouvir essa descrição, percebi que os motivos dela para ter filhos não eram tão diferentes dos meus para não ter. Enquanto ela ansiava por barulho, eu valorizo profundamente as horas de silêncio que limpam minha mente; e enquanto ela se empolgava com viagens familiares para parques temáticos, minhas memórias de infância favoritas são de momentos em que estava sozinha. Quanto à ideia de ver meus pais como avós, nunca consegui visualizar isso claramente (por motivos que se tornariam evidentes).
O amor pode se manifestar de diferentes maneiras
Mas havia algo mais, algo que se aproximava da chamada “febre por bebês”. Quando conversamos novamente, cerca de um ano depois, ela me disse: “Senti que tinha tanto amor para dar que faria qualquer coisa para ter um filho.” No meu caso, percebi que sempre senti isso, mas em relação às minhas ideias. Foi essa compulsão em dizer o que precisava sobre o mundo que me levou a aplicar a mesma determinação implacável à minha carreira como escritora.
Refletindo sobre isso, não parece que estamos programadas com um mesmo instinto biológico. Pelo contrário, o que temos em comum é o privilégio de viver em uma era em que podemos escolher o caminho que sabemos ser certo para nós, mesmo que uma mulher que opte por uma vida dedicada à mente em vez da família ainda seja, por vezes, vista como insensível ou egoísta.
você ainda não sabe se a maternidade é para você?
Talvez você esteja lendo isso porque, assim como muitas mulheres, nunca quis ter filhos e precisa de uma confirmação de que não perdeu algum “grande recado do universo”. Ou talvez você ainda esteja indecisa, o que, por si só, pode parecer mais próximo de um “não” do que de um “sim”. Caso a oportunidade tenha passado, talvez você esteja lidando com uma dor silenciosa pela ausência de filhos e sem saber qual é o próximo passo. E, se for uma mãe que não encontra prazer natural na maternidade, talvez esteja buscando formas de compreender e aceitar isso.
A chave para entender a si mesma está no Espectro da Maternidade
Independentemente do motivo que a trouxe até aqui, compreender plenamente onde nos situamos no Espectro da Maternidade – e os porquês disso – é fundamental para nos entendermos como parte de uma feminilidade diversa e em transformação. Não para justificar ou provar algo, mas para fazer as pazes com uma narrativa da qual nos desviamos, escrita muito antes de nosso tempo.
Isso nos permite desvincular nossa busca por sentido e realização da capacidade de procriar, explorando áreas da vida frequentemente limitadas pelas convenções da maternidade – como propósito, família, amor e legado – de acordo com nossos próprios termos e escolhas.
Refletindo Sobre o Espectro da Maternidade: Elementos Que Moldam Quem Somos
Para entender melhor nosso lugar no Espectro da Maternidade, é importante considerar os elementos que formam nossa identidade e influenciam nossas escolhas:
Temperamento
Refere-se à sua natureza e como ela afeta seu comportamento. Inclui o seu papel em dinâmicas de grupo, estilo de comunicação, forma de se conectar com os outros, relação com o controle e necessidade de pertencimento.
Circunstâncias
Abrange sua herança familiar e origem, condicionamentos culturais e sociais, crenças espirituais, situação de moradia, estabilidade econômica, sexualidade, expressão de gênero e carreira.
Medos
São os aspectos que tiram seu sono, os quais você evita ou sente aversão. Incluem pessoas ou situações das quais você se afasta, aquilo que sente necessidade de se proteger e o que considera assustador no mundo.
Desejos
Englobam o que você deseja e o que te entusiasma, experiências que te atraem, prazeres, formas como prefere passar seus dias e esperanças que tem para sua vida e o mundo.
Capacidades
São as habilidades naturais, os talentos que você possui, aquilo que te energiza e o que você oferece nas relações. Também inclui o que as pessoas ao seu redor valorizam em você.
Limitações
Incluem o que você não tem aptidão para fazer, aquilo que considera desafiador e o que te desgasta. Envolve também suas limitações físicas e as áreas em que você costuma cometer erros.
Explorar esses aspectos é essencial para compreender não apenas nossa relação com a maternidade, mas também nossa identidade e propósito de forma mais ampla.
Explorando cada categoria: uma Jornada de Autoconhecimento
Ao refletir profundamente sobre essas categorias – temperamento, circunstâncias, medos, desejos, capacidades e limitações – é natural que pensamentos, memórias e histórias venham à tona. Leia cada uma delas novamente, com calma. Permita-se mergulhar nesse exercício de autoexploração.
Faça listas e registre suas reflexões
Anote os episódios, lembranças e sentimentos que emergem enquanto você se conecta com cada aspecto de si mesma. Quais histórias vêm à mente? Como essas categorias moldaram suas escolhas e experiências ao longo da vida?
Conecte-se com suas sensações corporais
Observe as emoções e as sensações que surgem em seu corpo enquanto revisita essas memórias. Existe algum peso, conforto, ansiedade ou alívio associado a essas reflexões?
Reconheça as vozes externas
Preste atenção às vozes que acompanham esses pensamentos. Sua mãe? A sociedade? Note como essas influências tentam moldar sua percepção de certo ou errado sobre o que você sente ou pensa sobre si mesma.
Este é um momento de acolhimento, sem julgamentos. Aprofundar-se nessas categorias é mais do que um exercício de autoconhecimento – é um passo essencial para honrar sua trajetória única.
Refletindo Sobre o Inquestionável em Uma Vida Significativa
Não há uma maneira certa ou errada de sentir sobre os aspectos discutidos. Muito do que somos resulta de uma mistura entre natureza e criação, além de fatores que estão além do nosso controle. Existe apenas a pessoa que você é, a vida que viveu, as influências que recebeu e o grau de escolha que teve ao longo do caminho. Com isso em mente, pergunte a si mesma: quais são os meus inegociáveis para uma vida plena, significativa e satisfatória?
Confrontando sua essência com a realidade da maternidade
O próximo passo é alinhar o que você descobriu sobre si mesma com o que sabe sobre a maternidade. Não a versão filtrada e idealizada das redes sociais, mas o dia a dia cru e real que você já presenciou.
- Quais são suas memórias pessoais sobre ser cuidada por sua mãe?
- Qual foi a experiência de maternidade da sua mãe e da sua avó?
- Como a maternidade é vivida por suas amigas, colegas e pessoas da sua comunidade?
Para você, a maternidade é um refúgio acolhedor em um mundo competitivo ou um peso exacerbado pela falta de apoio emocional e financeiro, que levou muitas mães ao limite? Talvez, como para tantas mulheres, seja uma mistura de ambos.
Reavaliando no contexto da parentalidade
Dado o peso emocional da palavra “mãe”, experimente substituí-la por “parentalidade”. Pense na responsabilidade de alimentar, abrigar, cuidar e educar crianças pequenas. Considere o trabalho psicológico, intelectual, moral e emocional necessário para formar adultos seguros e equilibrados.
Como você se enxerga nesse papel?
- Você se sente realizada, no comando do seu próprio universo?
- Ou sobrecarregada, ressentida e sem fôlego para lidar com as demandas?
- Talvez, novamente, seja um pouco de tudo isso.
Lembre-se: não há respostas certas ou erradas. As reflexões que emergem não definem você como uma pessoa boa ou má. Elas apenas revelam o que é verdadeiro para você e, com isso, ajudam a traçar um caminho mais alinhado com seus valores e desejos.
Redescobrindo Seu Lugar no Espectro da Maternidade
Esse exercício pode ajudar você a se sentir mais confiante no seu “Não Categórico”. Ou, se sempre quis ter filhos e isso não aconteceu, talvez ele a inspire a priorizar outras formas de cuidar, nutrir e se conectar com crianças. Lembre-se de que o poder transformador da nossa irmandade revolucionária começa quando cada uma de nós aceita e compartilha sua experiência única de ser uma mulher sem filhos.
No final das contas, não existe um lugar “certo” no Espectro da Maternidade – apenas aquele que é certo para você.
Escrito com conteúdo do Mindbodygreen
Aline Chamon é publicitária, mãe da Bianca e esposa do Gustavo. Criadora do blog SEVEN DAYS MOM, dedica-se a compartilhar as alegrias e desafios da maternidade real, trazendo reflexões e aprendizados do dia a dia. Apaixonada por registrar memórias, escreve cartas para sua filha desde seu nascimento e busca, por meio do blog, inspirar e acolher outras mães que vivem as aventuras e os dilemas da maternidade.